TUDO PASSA

JULHO/2.014 – Joel Fernandes é médium e filósofo

     Você já ouviu, por inumeráveis vezes, a expressão “tudo passa” como sendo uma oportunidade de consolação moral não apenas a si como ao seu próximo e, claro, ainda hoje repete-a tendo em vista sua origem: o eterno trânsito do mundo no qual nada é, mas, ao contrário, tudo é sendo, devido ao movimento eterno e inato das coisas – pensamento filosófico devido a Heráclito de Éfeso (540-470 a.C.).

     Sim, é vero, “tudo passa”, deixando inexoravelmente de ser o que é para ser uma outra coisa. E tal ocorre nos âmbitos dos mundos material e emocional e, neste ainda,  constantemente observamos nossas alternâncias de humor e polarizações, porquanto variamos alternativamente da alegria à tristeza e vice-versa, ininterruptamente. Eis porque “tudo passa”.

     Mas, se “tudo passa”, então o que são o ser e ser alguma coisa? Enfim, o que sou eu?Observo-me: meu corpo envelhece, minha força diminui, meu gosto cultural se altera, minha preferência emocional idem, mas, muitíssimo estranhamente, continuo sendo eu mesmo! Conseguintemente algo em mim não muda, visto continuar sendo eu mesmo! Mas que “algo” é esse que existe e permanece irredutivelmente o mesmo ao mesmo tempo em que todas as mudanças físicas se evidenciam em mim e nas coisas para mim? Exemplifico: se me sirvo duma taça com água, continuamos os mesmos, eu e ela, apesar de deixarmos de ser o que éramos no instante seguinte, porquanto envelhecermos a cada instante; quero dizer que a água restante continua sendo “água”, apesar de não estar mais junto ao seu montante original; e, outra coisa curiosa, o alimento continua sendo “alimento” apesar de sua diminuição gradual por nossa ingestão!…

     Ora, diante do acima, então posso afirmar, seguramente, que tal “algo imutável nas coisas” não se reveste das aparências exteriores senão em também mudaria e, caso mudasse sempre e continuadamente, como saberia quem sou? Não saberia! Por isso infiro, consequentemente, que o fato desse “algo imutável nas coisas” é o que me garante a identidade de ser quem sou e delas serem quem são. 

     Consegui avançar um pouco no conhecimento desses conceitos, é verdade, mas que “algo” é esse que não é corporal-formal e nem emocional-psicológico, mas intelectual puro?

     Ele é, certamente, bem mais resistente e profundo que aqueles aspectos materiais citados, constitutivos de tudo, logo, só posso considerá-lo como sendo a alma. Então afirmo-a insuscetível de crescimento ou diminuição, de engordar ou emagrecer, de dormir ou não, e isso justamente por ser espiritual e oposta a tudo quanto é físico.

Adentrei no território da alma da qual sei apenas ser imaterial e não uma coisa como são coisas todas as coisas, nem muito menos um sentimento, emoção, ou pensamento, etc., por ser ela o agente do qual tudo depende para existir e ser conhecido, na medida em que é a alma quem inteligiza o mundo, pois, caso ela mudasse como tudo material muda, qual seria o agente último do conhecimento após uma remissão infinita na busca por saber quem ela é?

     A alma, então, por não ser suscetível de mudança, é sempre idêntica, é sempre com quem me identifico, pois, se meus traços corporais, psíquicos, e emocionais, são mutáveis, a alma, ou “o mesmo”, faz-me ser sempre eu mesmo, motivo pelo qual não posso mudar e motivo pelo qual conheço as coisas. E se os meus desgastes físicos danificam minha personalidade, não podem danificar minha identidade, o que é muito bom pois me torna um ser imortal.

     Descobri mais: tenho consciência da alma existir, pois, se não existisse, não poderia me reconhecer como um “eu irredutível” e nem poderia conhecer tudo! Ela, enfim, é quem me garante o ser que sou e o conhecimento do ser das coisas, não como almas, evidentemente, mas como formas ideais, ou ideias, irredutíveis. E como “consciência” é “consciência de”, então a primeira consciência da alma não pode ser senão a de si própria.

     Alma, consciência, si mesmo, ou eu profundo, igualam-se, mesmo quando ela apresenta o estranhável paradoxo de poder alterar o conhecimento, atualizando-o sem, contudo, alterar-se. 

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